'A terceirização é a total desproteção do ambiente de trabalho', afirma especialista
18 de outubro 2024
Pesquisador integra os grupos Trabalho, Constituição e Cidadania e Percursos, Narrativas e Fragmentos: História do Direito e do Constitucionalismo, da UnB - Foto: Arquivo pessoal
O mestre e doutor em Direito, Estado e Constituição pela UnB, Marthius Sávio Cavalcante Lobato, fala do atraso civilizatório e a violação da dignidade humana promovidos pela ausência da regulamentação da terceirização, desencadeada na esteira da reforma trabalhista. Ele é um dos painelistas desta sexta-feira (18/10), no Seminário “Os desafios da terceirização”, que ocorre das 9h às 17h, no auditório do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 4ª Região, em Porto Alegre.
“A ausência de regulamentação da terceirização é a possibilidade de se aplicar o direito do trabalho do inimigo”, resume o advogado que atua nos tribunais superiores em Brasília (STF, STJ, TST e TSE). “É preciso reinstituir a proteção da dignidade humana da Classe Trabalhadora na Constituição”, defende o autor dos livros “O Valor Constitucional para a efetivação dos direitos sociais do Trabalho” e “A reconstrução da Jurisdição constitucional: a garantia constitucional dos direitos fundamentais sociais”.
O Brasil resgatou, em 2023, 3.151 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Só em agosto de 2024, foram libertados 593 trabalhadores nessa situação e o número de auditores fiscais do trabalho está no menor nível em 30 anos.
O professor universitário participa da mesa “Conceitos fundamentais e lacunas na regulamentação da terceirização no setor privado”, às 14h, juntamente com o painelista Rodrigo de Lacerda Carelli, membro da 1ª região do (MPT (Ministério Público do Trabalho).
Como pesquisador, integra os grupos Trabalho, Constituição e Cidadania e Percursos, Narrativas e Fragmentos: História do Direito e do Constitucionalismo, ambos da UnB. Confira entrevista Lobato:
Brasil de Fato RS - Por que o Brasil precisa debater a terceirização?
Marthius Sávio Cavalcante Lobato - Com a ruptura do texto da Constituição pontuada pela reforma trabalhista e acrescentada pelas interpretações do Supremo Tribunal Federal, o debate da terceirização é fundamental para reconstruir os princípios constitucionais sociais é reinstalar esses princípios que foram tão disputados no processo da Constituinte.
Que lacunas legais há na terceirização e os impactos disto sobre as relações de trabalho?
A reforma trabalhista liberal impôs esta terceirização geral e irrestrita, aplicando como princípio básico de proteção o mercado de trabalho. Portanto, violando os direitos humanos fundamentais da Classe Trabalhadora.
Uma das lacunas é exatamente a ausência de proteção de formas coletivas. Nós sabemos que o direito coletivo existe para proteger o direito individual e o direito individual só existe porque é protegido por direito coletivo. A reforma trabalhista, ao não regular uma forma de proteção coletiva nas relações de trabalho, acaba gerando a precarização, a violação da dignidade humana e a ausência de efetividade dos direitos sociais do trabalho.
Quais os reflexos mais nefastos da terceirização no setor privado?
A total desproteção do meio ambiente de trabalho com jornadas extenuantes, condições de saúde e segurança do trabalho aviltantes, remuneração insuficiente, uso de trabalho infantil, trabalho em condições à escravo. Esse conjunto de precarização e de ausência de proteção ao trabalho decente é o reflexo mais nefasto para a dignidade humana do trabalhador. Não existe nem um ganho com a terceirização quando ela impõe uma forma e uma maneira de trabalho que não protege a dignidade humana.
Quais são os maiores prejuízos aos trabalhadores/as com a terceirização?
Violação à dignidade humana da Classe Trabalhadora igualando à mercadoria. Isto é um retrocesso em que se retorna ao século XIX quando o trabalho humano era escravo. Esse é o grande prejuízo que se tem com a terceirização.
Há algum ganho para o setor laboral com a terceirização?
Não existe nem um ganho com a terceirização quando ela impõe uma forma e uma maneira de trabalho que não protege a dignidade humana. Ainda que queira aumentar os lucros do capital, isso atinge diretamente a proteção dos direitos humanos que vem sendo a busca do século XXI.
Como as MEIs têm sido usadas neste cenário?
As MEIs têm sido utilizadas como uma forma de afastar a proteção coletiva da Classe Trabalhadora e ao mesmo tempo com uma narrativa de que haverá aumento de renda dessa trabalhadora e do trabalhador. Isto no pequeno e médio prazo se demonstra que o que há é a violação da dignidade humana.
O que o senhor destacaria como fundamental neste debate?
Debates como os propostos neste Seminário são importantes para demonstrar a prioridade de restabelecer a proteção coletiva. Ou seja, que a partir de uma relação - não só interna como externa dentro da proteção coletiva - é que vamos restabelecer, reinstituir na Constituição a proteção da dignidade humana da Classe Trabalhadora.
Por Stela Pastore/Brasil de Fato Porto Alegre (RS)